light gazing, ışığa bakmak

Thursday, August 17, 2017

enamoramentos

depois de meses fora de mim ou fora de contexto, li Enamoramentos de Javier Marías de rajada. trezentas e tal páginas em dois dias, e julgo que fiquei viciada, um pouco como aqui há alguns anos me sucedeu com Vila-Matas. mas se Vila-Matas é um elegante 'discursador', Marías é complexo, enredado, sofisticado (ah!). as citações não são listas de erudição, mas todo o livro se baseia nelas, não como citações, mas como pedaços que exemplificam sentimentos humanos universais, exemplificam e condensam, como se aquela frase fosse 'a frase', aquela que melhor faz viver aquele sentimento ou impressão, a mãe de todas as frases e a última, a melhor. como tal, a história roda em torno de meia dúzia de ideias que se encaixam e se largam como um jogo de tabuleiro.

o fio da narração tem vários planos ou motivações que se sobrepõem: a história do tipo policial (e verdade seja dita, a mentira é uma actividade muito interessante e digna de estudo ou análise), o jogo de ideias/citações; e o discorrer sobre as várias formas de amor e de enamoramento, o nome do livro. amor e morte, desde Freud será impossível separar este par de amantes.

e mais irei dizendo um pouco à frente.

à frente:

"Mas às vezes basta que alguém, em exclusivo e com todas as suas forças, se esforce por ser um pouco determinado ou por alcançar uma meta para que acabe por sê-lo ou por alcançá-la, apesar de não ter nascido para isso ou de Deus não o ter chamado por esse caminho, com antigamente se dizia, e onde mais isso salta à vista é nas conquistas e nos confrontos: há quem está em má posição na sua inimizade ou no seu ódio a outrem, quem carece de poder e de meios para o eliminar e ao lado dele se assemelha a uma lebre que tenta atacar um leão, e apesar disso esse alguém sairá vitorioso à força de tenacidade e falta de escrúpulos e estratagemas e fúria e concentração, por virtude de não ter outro objectivo na vida além de prejudicar o seu inimigo, exauri-lo e miná-lo e depois acabar com ele, ai de quem arranja um inimigo com estas características por muito débil e necessitado que pareça ser; se uma pessoa não tem vontade nem tempo para lhe dedicar a mesma paixão e responder com a mesma intensidade acabará por sucumbir diante dele, porque não é possível combater distraído numa guerra, seja ela declarada ou soterrada ou oculta, nem menosprezar o adversário desajeitado, ainda que o julguemos inócuo e sem capacidade para nos prejudicar, nem sequer para nos arranhar: na realidade qualquer um nos pode aniquilar, do mesmo modo que qualquer um nos pode conquistar, e essa é a nossa fragilidade essencial. Se alguém decidir destruir-nos é muito difícil evitar essa destruição, a não ser que abandonemos tudo o resto e nos centremos apenas nessa luta. Mas o primeiro requisito é saber que essa luta existe, e nem sempre o sabemos, as que oferecem maior garantia de êxito são as dissimuladas e as silenciosas e as traiçoeiras, como as guerras não declaradas ou aquelas em que o atacante é invisível ou está disfarçado de aliado ou de neutral" (...)



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